As possibilidades advindas da impossibilidade de comunicação

 Entrevista concedida a Ana Maria Morais para a revista Condomínios



- Me fale um pouco de sua trajetória artística, por favor. Como surgiu seu interesse pela arte? Quais foram os temas de seus primeiros trabalhos?

Penso que trabalhar com arte não está diretamente ligado a uma produção que seja recebida pelo circuito de arte. É algo que está voltado para os modos de percepção e relação com as coisas que nos alcançam. Sendo assim, entendo que não houve um início relacionado com uma produção que entendemos socialmente como arte, ou na inserção no meio do sistema de arte.
Meu trabalho com arte começou com uma vontade de me colocar ou de ter um posicionamento sobre determinados assuntos, junto com uma vontade de criar algo, e isso veio na infância, quando buscava certo isolamento e ficava manipulando todo tipo de coisas – como caixas, pedaços de madeira, embalagens – para construir um objeto ou outro. Mesmo com essas atividades, nunca tinha ido a uma galeria, ou pensava que essas atividades estavam relacionadas a um fazer artístico, porém entendo que o desdobramento dessa forma de estabelecer relações com as coisas desembocou na produção que tenho hoje. Meu começo como artista ocorreu com essa vontade de me colocar e transformar o meio em que eu vivia.
Posteriormente, já no período de graduação, foi quando tive um contato mais direto com os conceitos de arte. E essa vontade criadora, que falei há pouco, impulsionou a criação de diversos trabalhos, em diversos assuntos, que me incomodavam de alguma forma. Nesse período, destacava o interesse por trabalhos que discutissem processo e não especificamente que chegasse a um trabalho fechado. Nessa pesquisa, comecei a pensar meu processo de criação, dentro da graduação, pesquisando minha formação a partir dos textos propostos no curso, os quais, depois de algum tempo, tornaram-se material para minha produção. Foi quando consegui estruturar o conjunto de pensamentos que dão norte para minha produção atualmente, que gira em torno de desejo e impossibilidade de comunicação.
Comecei a enviar propostas para algumas exposições coletivas, e fui selecionado para algumas delas. Nesse período, Goiânia não dispunha de mecanismos para promover a amostragem de artistas em início de carreira. Foi necessário passar por exposições em alguns estados antes de conseguir expor aqui.

- Qual a contribuição da FAV/UFG no desenvolvimento da sua obra?

O período de estudos na FAV foi muito importante, não somente pelo aprendizado proposto pela academia, mas também pelos encontros que esse espaço possibilitou. Era um espaço de troca, entre alguns estudantes que se propunham a arriscar a ter uma produção em arte. Ali conheci alguns artistas, e tentávamos formar alguns grupos de estudo para alcançar um melhor entendimento do que estávamos fazendo na época. Dois desses grupos foram o Grupo Desenha, que era composto por algumas pessoas que se propunham a ter uma produção em desenho e um aprofundamento nessa linguagem específica, e o FAV Nova Inacabada, que foi um projeto organizado por Aishá Kanda e Rafael Abdala (também graduandos), que propunha o incentivo à produção em arte pelos graduandos. Esse projeto possibilitou a aproximação com os membros do Grupo EmpreZa (GE), do qual, um tempo depois, me tornei integrante.
    Sobre o curso, minha formação foi em licenciatura, voltada para o ensino de arte. Apesar de não atuar como professor, pensar o ensino e os meios de aproximação do público com a arte influenciou muito no pensamento e construção da minha produção.



- Atualmente você tem feito um trabalho no qual utiliza jornais com os textos recortados e mantendo as
imagens, o que você discute com essa ausência? Como é feita a escolha das matérias e publicações?

Entendo que tudo que eu produzo é parte da construção de uma ideia, e os trabalhos com jornais são um recorte dentro dessa ideia que dá norte a minha pesquisa geral, que gira em torno das impossibilidades de comunicação, tanto pelo indizível como pelo inteligível. Porém, aqui penso em um recorte específico – a linguagem escrita em periódicos. Procuro o amadurecimento dessa pesquisa, pensando sobre o que seriam essas impossibilidades, em que situações elas ocorrem e as formas que elas podem ser trabalhadas dentro da minha proposta poética.

Quando recorto os textos publicados em jornais, não pretendo fazer referência a práticas comuns no período da ditadura, como a censura, mas invocar, com esses espaços vazados, outra dimensão e outras situações de percepção, como nos recortes de Lucio Fontana, que invoca outra dimensão para o espaço da pintura ao recortar a tela. Pretendo, assim, invocar outro espaço, outro campo de leitura dessas mídias (que no meu trabalho é pensado como um diário dos acontecimentos da cidade). Negando a narrativa proposta, aproprio-me da memória desses textos – memória essa evocada pelos resquícios de letras restantes entre os espaços vazados e pelas imagens restantes nas páginas, elementos esses que se tornam invocadores dos acontecimentos do cotidiano.

Ao deixar os espaços dos textos vasados, pretendo invocar um jogo entre memória e esquecimento dos acontecimentos diários, muitos deles armazenados ou vistos pela sociedade apenas através dessa mídia. O texto nos trabalhos está submerso, porém o trabalho carrega uma presença visual permanente – as grades de um texto ou os espaços entre uma frase e outra assumem visualidade própria. São textos sugeridos no lugar de mostrados, que só ganharão forma na interpretação do público. Negando o discurso narrado por esses impressos, convida-se o público a completar, de alguma forma, esses espaços recortados, com suas histórias, relatos, memórias, fábulas. Partindo dessa ausência de texto no trabalho, propicia-se que o público determine ou resgate sua própria forma de leitura.
As escolhas das imagens entram nesse contexto, na ausência de um texto que narre o acontecimento, a imagem entra como um ponto localizador de tempo e espaço de acontecimentos, possibilitando que o público possa se localizar diante do trabalho, mas algumas imagens são escolhidas de forma a ampliar a ausência de narrativa proposta pelo texto. Algumas imagens são escolhidas por terem sentido apenas com o texto, na ausência dele essa imagem precisa ser recontextualizada para ganhar autonomia.


- Há quanto tempo você faz parte e como tem sido sua participação no Grupo EmpreZa?

Tornei-me membro do Grupo EmpreZa no fim de 2011, quando já tinha sido aluno de um dos integrantes e,
posteriormente, participei de um projeto com dois outros membros. Logo depois, com a saída de alguns integrantes do GE, fui convidado pelos membros a ajudar nas apresentações do Grupo na mostra “Caos e Efeito”, curada por Paulo Herkenhoff no Itaú Cultural em São Paulo. Voltei da viagem já fazendo parte do GE.
O EmpreZa é um coletivo formado em 2001 e conta atualmente com 10 integrantes. O Grupo busca uma proposta linear, ou seja, sem hierarquia, representante, autoria. Trabalhando com a linguagem da performance, tem o corpo como material principal para realização dos seus trabalhos, buscando discutir os limites desse corpo diante dos embates aos quais os corpos são submetidos diariamente na sociedade.

    O EmpreZa tem possibilitado alcançar dimensões de pesquisa em arte que não são possíveis de alcançar na minha produção individual, como a própria diluição de autoria, que no GE é encarada de forma radical: por exemplo, qualquer ideia proposta é de todos ao mesmo tempo que não é de ninguém do Grupo. As situações que cada trabalho exige também são bastante transformadoras, grande parte das ações do GE necessitam de uma doação imensa do performer. Em algumas performances que realizei, tive o desejo de me colocar em determinado lugar, justamente pelas situações extremas às quais o corpo seria levado. Algumas delas foram: “Arrastão”, realizada na Av. Pres. Vargas, no Rio de Janeiro, em 2014. A ação consistia em me arrastar pela avenida até chegar à Igreja da Candelária. Outra foi o “Passante”, que consistia em pregar os pés com pregos em um livro, realizada no SESC Pompeia durante a mostra Terra Comunal 2015. Também houve uma das ações que compõem o Serão “Como Chama”, que consiste em engatinhar com uma placa de parafina em chamas nas costas, realizada em 2014 no MAR (Museu de Arte do Rio). Essas ações foram transformadoras para mim, não apenas como artista, mas como pessoa. Fazer parte do EmpreZa é estar constantemente sendo provocado a estender alguns limites do corpo, diante de algumas situações do mundo.


- O fato de fazer parte de um coletivo de arte modificou seu processo de trabalho individual?

Entendo que um trabalho de arte precisa ter força e energia transformadora, precisa incomodar quem o faz e quem o olha, senão se torna mais do mesmo. Assim, seria impossível falar que minha participação no EmpreZa não reverbera na minha produção individual, porque estar no EmpreZa me modifica enquanto pessoa, assim como minha presença no GE com minhas experiências individuais afetam a produção do Grupo. O que tento diante da situação é não misturar as demandas, pois são propostas bastante diferentes.
Enquanto processo de criação, tenho necessidade de passar algum tempo isolado. Com o GE, essa necessidade aumentou, pois passei a ficar mais tempo em grupo do que sozinho. Quando estou produzindo, procuro ficar só, e trabalhar no meu tempo. Meu processo pede esse isolamento, preciso folhear várias páginas, ver vários textos, até construir um trabalho.


- Quais individuais você realizou e de quais coletivas mais importantes você participou?

Realizei, em 2014, uma individual na CAL, em Brasília, intitulada “Notícias Populares”, e uma individual simultânea “6X Simultânea” no Museu de Arte Contemporânea de Goiás, no Oscar Niemeyer, em Goiânia. Participei da mostra “Mutations”, em 2014, na Tiwani Contemporary  em Londres-UK. Participei de duas mostras no Museu de Arte do Rio (MAR): “Há Escolas que São Gaiolas e Há Escolas que São Asas” e “Pororoca: A Amazônia no MAR”, também em 2014, “O Cânone Pobre – Uma Arqueologia da Precariedade na Arte”, no MARGS, em Porto Alegre-RS. “Como Refazer o Mundo”, na Galeria Luiz Fernando Landeiro, em Salvador-BA, “Dialetos”, no MARCO, em Campo Grande-MS. Fui premiado em 2012 no “18º Salão Anapolino de Artes”, também no “7° Salão de Artes de Suzano”, em 2011, e menção honrosa no “11º Salão Nacional de Artes de Jataí”.
Sobre algumas participações com o EmpreZa: acabamos de voltar da mostra “Terra Comunal”, no SESC Pompeia, a convite da Marina Abramovic, onde tivemos uma sala destinada à ocupação e apresentação dos trabalhos do Grupo, intitulada “Vesúvio”. No ano de 2014, apresentamos uma mostra individual “Eu Como Você”, quando ocupamos um andar do Museu de Arte do Rio (MAR).

- Quais os projetos para este ano?

Estou trabalhando em um novo conjunto de trabalhos, fazendo intervenções em livros e enciclopédias da história da arte, apropriando-me de imagens de obras e relacionando-as com a ausência de textos. Estou preparando também uma residência artística para o próximo ano, onde pretendo desenvolver alguns trabalhos que surjam a partir das relações com o ambiente de língua estrangeira.

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